Donnerstag, Januar 10, 2008

[tódinho laifi-staili]

1.


'Então vamos beber, escrever e ler'.

Ele tirou da mochila uma garrafa de gim, praticamente cheia. 'Não é mesmo interessante como um artefato líquido destinado a ludibriar (e, consequentemente, 'preencher' o 'vazio' e/ou incompleto) pode ser proporcional à sua capacidade de entorpecimento, em termos de objeto, assim, preenchido, cheio?', pergunto. Ele apenas sorri. 'Coisas simples em palavras difíceis', eu disse, 'não consigo sair disso'. Ele me levou para fora. 'Vamos para a sacada', ele sugere apontando a escada com seus braços desajeitados e, de certa maneira, sorridentes. Sim, eu enxergava sorrisos em seus braços e, talvez, melodias nos seus cabelos; sentia arrepios e suava mãos. Um dia suei todo o livro sobre o cérebro que ele me mostrou na aula. Ele me mostrava muitas coisas. Naquela noite da sacada, me mostrou as estrelas e sorriu com dentes bobos que diziam que tudo era assim tão simples, mesmo. Não diziam, mas mostravam, insinuavam como uma boa metáfora indie. Ele me beijou. Era como se eu tivesse de volta minha boneca Mônica e meus lacinhos arrancados pelo coleguinha do pré. Era como se fosse mesmo simples, e repetitivo e bom. Era como se ter disciplina para reparar em determinados pingos de realidade fosse fundamental ao convívio com o meu interior. 'Olhe as esrelas', ele dizia; 'as nuvens, os animais, as gramas verde-limão. Olhe as toalhas coloridas dos piqueniques, olhe as bolas murchas das crianças ruivas.'

'Agora vamos beber', sugeri.

Ele tirou da mochila algumas frutas. Me abraçou. Não bebemos. Apenas sorrimos e comemos ameixas. Dormimos abraçados sob o céu negro e pela manhã fomos passear no parque. O dia estava ensolarado. Brincamos com a máquina fotográfica e tocamos instrumentos esquisitos. Usávamos fantasias. Depois voltamos para a sacada e enchemos balões coloridos. Verdes, roxos, amarelos, bordôs, mostardas. Tomamos sucos pronto/importados de amora e devoramos cerca de dez pêssegos. Foi uma tarde e tanto. Ele disse que eu era uma moça distraída, e então eu contei a ele. Contei a ele sobre a pulseira.

2. A Pulseira

Tudo começou na vitrine de uma cidadezinha irrisória. Era uma pulseira de bolinhas em uma loja de 'Conserta-se Relógios'. Aconteceu durante minhas férias de inverno, enquanto passava alguns dias na casa de meu tio paterno, um velho interiorano, gordo e voraz. A loja era um pequeno chalé de madeira que pertencia a um casal de velhos também interioranos e gordos. A mulher, uma idosa muito ativa e preservada, como todas as senhoritas do campo um dia virão a ser, fazia doces de maracujá e chcocolate, geralmente acompanhados de calda de uva ou goiaba; a vi apenas uma vez, enquanto admirava a pulseira do lado de fora do chalé.

Eu estava, como sempre, posicionada estrategicamente junto à porta, torcendo que o senhor de cabelos verdes-brancos me convidasse a entrar, quando esta elegante senhora me pediu licença e então empurrou a porta, em seguida deixando que a mesma fechasse debodachadamente diante de minha face, me despertando assim da hipnose que causava a pulseira de bolinhas. Pude então vislumbar através da vitrine que a referida senhora trazia sanduíches cortados em quatro pedaços e um bule de café, provavelmente preto e puro. 'Café tira o sono', ouvi o senhor de cabelos brancos-verde dizendo. 'Você poderá dormir bastante quando morrer, meu bem', a velha respondeu.

[As piadas dos velhos não tem a menor graça]

.

Eu precisava da pulseira de forma trágica e ardente, de sua posse dependia todo meu vigor facial e toda delicadez de minha pele juvenil, de então 12 anos. Sim, a pulseira tornou-se uma obsessão. No entanto, o mais interessante era que eu possuía dinheiro o bastante para comprá-la, mas não conseguia efetivar a compra, não conseguia sequer entrar na loja. Só conseguia contemplá-la e desejá-la, talvez lutar por ela interiormente, mas possuí-la, de fato, não me incitava a qualquer tipo de esforço. Fiquei enferma de angústia pela imagem da pulseira durante toda minha estadia no interior. Não conseguia me livrar dela. Mesmo quando estava longe da vitrine, lembrava. E o velho de cabelos brancos-verde lá dentro consertando relógios, aquele velho gordo e sardento de avental vermelho com bolsos de um xadrez sujo, pouco ligava para meu objeto do desejo. Um dia finalmente tomei coragem, entrei na loja e contemplei demoradamente a pulseira sob o outro ângulo, tão sonhado por mim desde o início; o ângulo DE DENTRO. Era encantadora. Foi então que o consertador de relógios me olhou de forma fraterna e disse que precisava ir à cozinha e voltaria em dois instantes, em seguida indagando de forma calma e educada, se eu poderia por obséquio 'dar uma olhadinha' na loja. Eu disse que sim, é claro. Foi tudo deveras rápido. Não pensei duas vezes. Fui até a vitrine pelo lado de dentro e furtei a pulseira de bolinhas. Saí correndo. Fui embora do interior no outro dia e nunca mais voltei à casa de campo de meu tio paterno.

3. Segredinhos e Mogwai, quem sabe Wilco.

Então hoje é meu aniversário e estamos aqui com meus dicos do Chico Buarque e meus arquivos de nova música indie e vanguardas que você não pode perder. Então eu me iludo com as letras bobas e depois danço com as melodias toscas e no fim tudo não passou de um scrap. Mas eu lembrei de tudo isso, sim. Lembrei de como as coisas bobas podem ser arte dramática e forte, de como as violências todas que fiz ao meu organismo não passaram de falta disso tudo que só ele pode me dar. Essa coisa de ver as nuvens, as revistas e os filmes. Essa coisa toda melosa e meiga. Esse teu travasseiro com cheirinho de chiclete e teus quadros de cinemar noir. Tua parede laranja e teus escritos em arquivo pdf. Minhas pastas no teu computador, tão lindo; terão elas ainda o meu nome? Guardarás ainda tu os meus emails de dor e saudade?

Nosso amor
virtual e sádico.

Um sadismo
infantil
e mágico;

como uma poção
do amor
em desenhos
animados.

Nossa vida compartilhada em madrugadas solitárias e cor-de-rosa-coração.

4- 'Nosso amor de ontem.'

Uma pena que tudo tenha acabado assim, com 12 latinhas de Polar, reassistindo 'Linha-Mortal' e voltando no controle-remoto os melhores ângulos da bunda do Kevin Bacon. É assim que me sinto em relação a ele hoje; voltando no automático para alguma espécie de imagem com historinha mas, ao mesmo tempo, retornando esporadicamente-sempre ao meu melhor ângulo; assim como os ponteiros do tempo do cosertador de relógios que conheci em minhas férias juvenis.