Montag, Januar 29, 2007

Ian McEwan is GOD

Logo ali embaixo tem um post (apaixonado) sobre David Foster Wallace, um escritor contemporâneo cheio de experimentos na linguagem, no qual o maior mérito reside em fazer os olhos travarem, eu diria. É algo como um mouse sujo, como eu disse antes; irritante, mas de certa forma sedutor, pois a todo custo precisamos fazê-lo funcionar. Depois de ler Ian McEwan percebo que eu realmente tinha essa necessidade de que David Foster Wallace funcionasse comigo e que de alguma forma eu fiz com que ele funcionasse; odiei tanto que gostei. Mas o Ian McEwan, ele não é um mouse travado, ele é uma janela de casa mal assombrada aberta para o gramado mais verde do vizinho. Veja bem, falo de sensações, pois são elas as únicas lembranças reais que possuo.
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A sensação que tive ao ler Ian McEwan foi _________________________
travo. Mas não com um mouse sujo, travo com a vontade de que o tempo congele legitimando um momento único e duradouro na memória, essa entidade enigmática que guarda com mais vigor aquelas lembranças que em tempo "real" duraram 5 minutos mas, em tempo EXPERIMENTADO, duraram duas, três, quatro longas horas; como um assalto, um acidente, um beijo. Pois quando o tempo corre rápido, tão rápido ou na mesma velocidade das horas, não perdura na memória. Por exemplo, já estou nesse computador há 6 horas e não vi o tempo passar, no entanto, amanhã, esses preciosos momentos virtuais não estarão na minha memória; são seis longas horas e nenhum instante de tempo EXPERIMENTADO.
O que eu quero dizer é, quando não há uma emoção real, só há tempo "real". Quando há uma EXPERIÊNCIA, há tempo experimentado e, logo, há MEMÓRIA.
A rapidez do tempo é uma ilusão de prazer/o agradável
nunca é significativo/ não ver o tempo passar significa não experimentar.
[Sobre aquela cratera que partiu o chão de São Paulo, por exemplo, houve toda uma discussão se havia "tempo" ou não para uma medida de emergência desde o momento que o chão começou a tremer até a tragédia se consumar. Segundo a empresa responsável pela obra, o tempo transcorrido entre a tremedeira e a cratera foi de mais ou menos 2 minutos. E então, a televisão perguntou para os obreiros (que EXPERIMENTARAM a situação) quanto tempo tinha levado entre a mesma tremedeira e a mesma cratera, ao que eles responderam "mais ou menos 10 minutos". E então a televisão deu a entender algo do tipo "veja só como a empresa está mentindo". Pra mim, parece um tanto óbvio que eles já sabiam a resposta dos operários. Afinal, a televisão é mestre em tempo real x EXPERIMENTEM O NOSSO TEMPO.]
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Foi basicamente isso que absorvi de "A criança no tempo", um livro que vai transformando um enredo clichê em uma história dura sobre o trancorrer dos minutos, horas, dias, meses, anos e vice-versa, através de um personagem que dá vontade de telefonar de madrugada pra chorar junto; notável semelhança com Salinger em seus infanto-juvenis e com Somerset Maugham em "O fio da navalha". Em comum, autores misturando o realismo com os sentimentos de sua época em histórias lineares contadas através de mais e mais sentimento. Sangue; BUSCA. É tudo que consigo dizer no momento. Ah, e o livro ainda tem um quê de física quântica (tudo bem, em algum modismo tinha que cair, caso contrário não seria "tão" retrato da nossa época).
Ah, outra coisa:
As alucinações na verdade não são alucinações; as alucinações são meros experimentos de algo que já aconteceu em um tempo real passado e estão voltando para nos avisar que participamos daquele passado (que nos fazem acreditar tão distante), de forma definitiva e real; visível. As alucinações são os olhos do coração.

Dienstag, Januar 23, 2007

always shit!

Vontade de comer queijo mas, pense bem, adultos não precisam de leite, o leite é uma caloria vazia, gordurosa, o leite dá colesterol, e só. Vontade de tirar fotos mas, pense bem, suas fotografias não tem função social, hoje em dia a única coisa que importa é a criatividade, entendeu bem? CRI- ATI-VIDADE, mas não, eu não vou entrar nessa, eu realmente quero ter algo a dizer ao invés de fotografar pés em ângulos nunca antes explorados. Quem sabe, meter medo em algum adolescente desavisado emprestando um DVD com o seriado Twin Peaks. Quem sabe distribuir muitas cópias deles pelos corredores das universidades burocráticas com seus alunos burros (nossa, essa frase ficou tão clichê, vazia e sem função social, e a arte está tão morta e o artista bom é o artista bem quietinho, who knows.).
LUTO
Eu declaro luto rosa-pink para os que acham que eu escrevo coisa de mulherzinha, eu declaro luto laranja para os que com 40 anos apodrecem em suas casas dormindo na sala com a televisão ligada no canal 12 ou os que mofam fedendo a coca-cola com seus detestáveis 20 anos e canal 14, e os leitores de David Foster Wallace rejeitando a porra da televisão pra assistir algum filme gravado toscamente por um amigo de 50 que ainda anda com adolescentes. Eu declaro luto pela blusa de flores suada depois de trabalho e amigos e línguas e cervejas que não descem mais. E essa vontade de comer queijo, essa vontade de comer queijo que me sobe pelo esôfago ardendo e implorando um copo de suco de goiaba, del valle, por favor. Enfurnada nesse trabalho intrapsíquico de elaboração da perda da emoção que sentia ao ouvir Renato Russo dizendo que sente mais falta daquilo que nunca teve eu penso que um queijo, afinal, não resolveria meus problemas e, tampouco, minha fome.
O esôfago, não sei se é o esôfago, mas algo entre a garganta e o estômago reclama frutas, vegetais, ar puro, nicotina zero. E o coração, não sei se é o coração, mas algo entre a cabeça e os pés reclama aventuras, independências, intimidades. O íntimo é o que há de mais profundo em alguma coisa ou em nós mesmos; pode ser também, ou ao mesmo tempo, algo tremendamente secreto. Logo, o que há de mais profundo em nós é um mistério que, "se" e "quando" revelado, é a entrega total.
[SECRETA é a oração que o padre diz em voz baixa, antes de começar a missa, ou pode ser também um produto de secreção elaborado pelas glândulas.]
O importante é que, ainda que a intimidade seja a troca de pequenos segredos, o segredo sempre será aquele que jamais pode ser revelado, logo, a inimidade é uma ilusão; uma ilusão no sentido PALPÁVEL mas, no entanto, tão bonita de se ver, sentir e ouvir. Como diria Fernando Pessoa, o olfato é que vale. Ou seria o tato?
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João olhou Maria pela janela do banheiro enquanto ela defecava, Maria vislumbrou o rosto sorridente do namorado no canto do espelho e ficou constrangida; não por João estar assistindo seu ato tão íntimo de cagar e sim por não saber como se comportar na frente do ser amado enquanto caga, como diria o Kid Abelha, ninguém ensinou na escola. Então Maria escondeu os seios nos braços que agarravam as pernas em posição de cócoras e disse algo aleatório com intenção de demonstrar leve e natural conforto ao mesmo tempo que sentia que João jamais a amaria da mesma forma. João sorri e desaparece do canto do espelho, Maria pressente; levanta da privada debatendo mãos no papel higiênico enquanto o barulho dos passos de João ficam cada vez mais perto, ele está dando a volta no corredor.
O corredor é um momento de transição; o elevador, um símbolo do ato sexual.
O ruído da descarga. João abre a porta do banheiro. Então temos ruído da descarga. Então temos Maria enrolando-se na toalha e o olhar dele, como que sabendo que aquele momento não era o de convidá-la para uma trilha ecológica, ou para um almoço no Shopping, e não era hora, mesmo para um olhar do tipo "calma, isso não foi nada demais, já vi outras cagando, eu gosto"; Maria não sabia o que fazer, não sabia o que dizer , afinal, nada tinha mesmo acontecido, e foi isso que ela pensou enquanto ele sorria aquele mesmo sorriso do canto do espelho tentando agora decifrar ainda mais de perto no fundo da pupila misteriosa de sua amada seus mais secretos e fedidos contrangimentos. A reação. O olhar da reação, as mãos da reação, o sorriso tímido ou vibrante da reação. É só o que queremos, always. Shit.

Sonntag, Januar 14, 2007

Savana

"I've been looking so long at these pictures of you that I almost believe that they're real. I've been living so long with my pictures of you that I almost believe that the pictures are all I can feel".(The Cure - Pictures of You)
Será que eles não percebem o quanto Savana sufoca, mas sufoca mesmo, a ponto de ficar mais de 8 horas sentada no mesmo lugar sem se mover, será que eles não sabem que Savana teve suas primeiras dores musculares, dores de tensão, aos 5 anos? Não, eles não percebem, só percebem a própria dor, o próprio sufoco, aliás, não sei se poderíamos chamar de sufoco, pois o sufoco é contido, uma repressão involuntária dos músculos ou uma obediência, uma submissão em prol do bem-estar alheio. O verdadeiro sufoco não grita nem geme, por respeito. Sim, o sufoco voluntário. Eles gemem. Desde que Savana nasceu e escutou pela primeira vez, eles gemem. Miseráveis incapazes de sufocar a própria dor, querem que doa nos outros também, não limitam seus gemidos nem perante as crianças, fazem questão de que elas saibam o quanto eles sofrem, por elas, é claro, pois a dor deles hoje é consequência dos sacríficios pelo leite e o conforto de ontem. Pobre Savana, lá sentada, sofrendo, enquanto eles limpam o chão de seu quarto e lavam suas calcinhas, sempre gemendo.
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Existe um filme de Ingmar Bergman chamado "Sonata de Outono", sobre uma mãe egoísta porém com uma carreira artística brilhante. Ela abandona a família por causa da carreira e depois de velha tem isso tudo e mais um pouco jogado na cara pela filha que, obviamente, joga todas as suas frustrações no afeto negado pela mãe durante os seus primeiros e essenciais anos de vida. Liv Ullman faz o papel da mulher infeliz que acredita que sua infância solitária é a culpada de todos os seus problemas adultos.
[Crianças. Crianças de domingo, já dizia o próprio Bergman.]
Crianças nascidas em um dia de domingo são aquelas que carregam a sensibilidade artística na alma, segundo uma tradição sueca. Vai ver a personagem da Liv Ullman não nasceu em um dia de domingo, e esse é o único motivo pelo qual ela não executa um Chopin tão divinamente quanto a mãe, uma renomada pianista. Almodóvar fez uma bela sátira deste filme em "De salto alto". Muito mais bem humorada, a versão espanhola traz uma personagem-filha que se vinga da falta de atenção da mãe casando com o padrasto. E depois o trai com um travesti.
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Então Savana ficou olhando as fotos tão coloridas e cheias de vida e grama e cafeterias diversas com paredes vermelhas, verdes, laranjas. Fotos com mesas de toalha xadrez cobertas por sucos de frutas; amarelo-laranja, roxo-uva, verde-limão. E por algumas oito horas sentada na frente do computador conseguiu esquecer parcialmente o quanto eles gemem. E ficou pensando no quanto vem procurando, de certa forma, pessoas que também gemem ao invés dessas tão coloridas que pulam e fazem caretas e não usam drogas. E então Savana percebeu que os dias azuis talvez fizessem mais sentido se ela fosse a piqueniques ou deitasse na grama, e que talvez os dias cinzas também fizessem mais sentido se ela lesse um livro no vento ou tomasse café em cafeteiras coloridas. E aí ela pensou que talvez esteja lendo muito Caio Fernando Abreu, e que afinal de contas isso é um computador e não a vida de alguém. E que afinal o que ela quer dizer com fazer sentido é fazer feliz, e ela sempre achou que felicidade era pra gente burra.
E continuou lá sentada no seu computador olhando fotos alheias, num daqueles dias azul turquesa com pequenos tufos de algodão no céu, um verdadeiro cotonete gigante desentupidor de todas as amarguras dos pequenos homens lá embaixo, em seus computadores, verdadeiros desertos doces. "Ainda prefiro que eles continuem gemendo", pensou, "do que matá-los com os meus sentidos todos, tão felizes, afinal".

Dienstag, Januar 09, 2007

Inferno Astral

Deviam ser umas 4 ou 5 da manhã, estávamos voltando de uma festa e procurando um lugar pra comer e comprar cigarros, aí entramos em um desses bares 24h da Cidade Baixa com cara de xis-ruim-que-demora-duas-horas, lotado de mesas de plástico com batatas-fritas e amigos dividindo litrão de coca-cola. Entramos, batalhamos nossa mesa e eu sentei minha bunda cansada e fiquei olhando pra rua. Na calçada bem em frente tinha um velho de calças curtas e sapatinho bem engraxado carregando uma dessas bolsas-pastas pretas de material nem duro nem mole pendurada no ombro, acho que ele usava também uma dessas camisas sociais baratas, mas muito bem colocada pra dentro das calças em estilo centro-peito. Eu fiquei olhando pra ele; gosto de velhinhos e achei bonitinho o jeito como ele conversava com o frentista coçando o queixo, como se estivesse refletindo sobre as palavras profundas daquele homem de cabelo desgrenhado abanando para os carros com um paninho de flanela.
Ficaram um tempão conversando. A gente ficou um tempão olhando o cardápio e depois pediu 3 baurus, um cigarro e uma ceva. Os dois continuaram ali, até o fim dos nosso baurus, cevas, coca-colas e acredito que até o fim de todos os nossos cigarros também. Aí uma hora eu vi o velhinho tirando alguma coisa da bolsa; era um desses potes de marmita do 1,99 com uma tampa laranja. Ele estendeu o pote para o frentista e o homem tirou dali um bolinho de carne, tentando disfarçar uma fome absurda que dava pra perceber só quando a comida chegava na altura da boca; como numa espécie de demonstração de respeito ele demorava o máximo possível aquele caminho do bolinho até a boca dirigindo seus olhos famintos para os olhos do velho que agora falava; disfarce que caía por terra depois que os bolinhos entravam de uma vez só na boca e mão descia angustiada até o pote de novo. A subida é lenta e a descida rápida, como em todas as escaladas da vida.
Quando os bolinhos acabaram o velhinho fechou o pote com a tampa laranja (fixei muito a cor do pote pois acho laranja uma cor angustiante e ao mesmo tempo alegre, dizem que é por isso que o Mc Donald's usa essa cor, para as pessoas comerem, ficarem alegres e irem embora) e guardou na pasta, apertou a mão do frentista (e eu pensei: bom, agora ele vai entrar no carro e ir embora) e foi indo em direção ao ponto de ônibus, mancando como um bom velhinho. Foi aí que alguém da nossa mesa entupida de cinzeiros entupidos e pratos sujos de maionese e ketchup perguntou: "o que tu tanto olha?" e eu respondi "o velhinho ali", e então outra pessoa da mesa olhou pra fora, largou o seu delicioso bauru no prato e disse "é, realmente não é uma boa hora para velhinhos estarem na rua".
Quando a gente saiu do restaurante, uns 20 minutos depois, ele ainda estava na parada de ônibus, e já deviam ser umas 6 da manhã nessas alturas, quando eu saí correndo feito uma retardada até lá, antes que ele entrasse no seu meio de transporte e eu nunca mais pudesse dizer "que liindo isso que o senhor fez, o senhor é demais, etc, etc". Muitas coisas passaram na minha cabeça enquanto corria bêbada de amor até aquele ponto de ônibus; admiração, vontade, tristeza, vergonha. Ele me olhava correndo em sua direção, com certeza já tinha percebido que eu o observava o tempo todo, e ele me olhava com um desses olhares calmos, complacentes, resignados porém satisfeitos; um desses olhares de vovô que vai chegar em casa, tirar os sapatinhos engraxados e colocar uma chinelinha de pano, depois tirar a chinelinha de pano e dar um beijo de boa noite na vovó enquanto deita na cama de madeira velha comida pelos cupins. Ou talvez fosse o olhar de um homem solitário aprisionado em um corpo cansado e de pêlos brancos, indo para sua casinha vazia em Gravataí, na qual vai chegar pelas 7 da manhã e ainda dar comida ao cachorro e encher as tigelas do pátio com farelos de pão para os pássaros. Migalhas, a vida é feita de migalhas.
Eu bati no ombro dele e disse "Desculpa, eu tava ali olhando o senhor e achei tão bonito e o senhor vem todo o dia aqui dar comida aos frentistas?" e ele riu aquele sorriso de idosos com rugas em volta da boca e poucos dentes e disse que trabalhava em um estacionamento ali perto, "o senhor trabalha toda noite até essa hora?", eu perguntei, e ele disse "há 45 anos", e eu disse "que lindo", como uma boa burguesinha sem noção voltando de uma festa no Jekyll. Ele continuou sorrindo aquele meio sorriso tão bonito e claro, de uma clareza dessas que deixam a gente cego e pequeno; e aí ele contou que nunca comia todos os bolinhos que ele ganhava lá no estacionamento e por isso guardava em um potinho e quando saía de lá ia levar o potinhos aos frentistas que ficam ali às vezes o dia todo sem comer; achei bizarro (um estacionamento que que dá bolinhos de carne aos funcionários) e depois pensei que na verdade talvez o que unisse ele aos frentistas fosse justamente isso de ambos cuidarem de veículos alheios, porém o velhinho era um frentista de nível mais elevado, quase "rico". E aí o ônibus dele chegou e eu o abracei e disse "feliz natal pro senhor, tudo de bom, mesmo" (uma coisa tão automática de se dizer mas que veio tão sem esforço naquele dia).
E comecei a lembrar disso hoje, em plena avenida Salgado Filho, enquanto observava um outro velhinho vendendo aqueles sucos de frutas cítricas que dá pra sentir o gosto doce de puro açúcar só de olhar, embaixo de um céu azul de 40 graus e que com certeza também se acha muito rico pois trabalha em uma avenida onde as pessoas dormem enroladas em papelão, e isso é deveras amargo, e me lembrei de um documentário que vi na TV sobre uma criança agonizando durante 7 horas em uma avenida central de São Paulo ou Rio enquanto os pedestres que provavelmente são assaltados toda semana mal olhavam de canto. E amanhã é meu aniversário, e não tenho vontade de comemorar, e talvez isso tudo que pensei não passe de uma busca de motivos nobres para a minha tristeza sem função social.

Donnerstag, Januar 04, 2007

chopps não matam animaizinhos

(folha 1 do diário de uma nova vegetariana)

Os dois litros de chopp me pesam na cabeça mas como é incrível que nunca pesam no coração, esse sempre voa levinho, tão levinho que sai se batendo por todos os cantos duro do peito,
esses cantos-esconderijos de mágoas escondidinhas fedidas que não saem para fora pelo simples motivo de não ser todo dia aquele o qual tenho grana para me atolar no líquido amarelo-laranja cor do mijo fedendo tanto quanto os rancores escamoteados que hoje saíram pra fora. Quando se tem dinheiro o chopp entra e a mágoa sai depois de tanto ser espancada por esse bate-bate-coração ventinho dizendo eu te considero, eu te amo, bate-bate-levinho deslizando no peito até encontrar não sabe como algo como aquele pingüim que Tyler Durden encontra sempre em suas meditações de grupos de auto-ajuda no filme Clube da Luta. É assim: ele está levinho, levinho meditando e quando o mestre do grupo diz "pense no seu animal interior" ele vê um pingüim e acorda da meditação na mesma hora. O que eu quero dizer é, para encontrar um monstro interior ele não precisa ser necessariamente um monstro (pode ser um pingüim) mas ele precisa ser necessariamente encontrado num momento de profundo relaxamento e paz de espírito (como numa rodada de chopps); é preciso alcançar a leveza mais ventinho de um coraçãozinho saltitante para que ele bruscamente bata direto no poste das mágoas. É só isso, tudo uma questão de confiança infundada e vulnerabilidade.

[Você sabia que o chopp é a cerveja que não passa pela pasteurização? Eu li hoje em um daqueles redondinhos que os garçons vão amontoando embaixo do copo pra gente não perder a conta; chopp é caro, e sempre vem com esses redondinhos com marcas de cerveja ao fundo, estampado por cima com essas letrinhas que na mesa do bar fazem a gente pensar "eu já devia saber, apenas não lembrava".]

Tudo apaixona mais, tudo irrita mais; é uma cabeça à flor da pele, eu diria; coração, não. Coração não tem paranóia nem mágoa, coração só guarda uns cantinhos do peito pra ser casinha das mágoas da cabeça. O coração é um pobrezinho sem força própria quando as neuroses gritam de dentro de uma cabeça pesando 2 litros de chopp. E mais alguns cigarros. O câncer é um filho que foi embalado no mesmo colo que cresce enquanto os bares somam-se; apenas uma criança. Eu me sinto muitas vezes assim, com essa sensação de não-queria-ter-brigado-quero-voltar-no-tempo-não-posso-acreditar-que-em-dez-minutos-tudo-ficou-tão-escuro. E chopp escuro é coisa de veado.


(Eu não quero dizer que o animal interior de cada um é um monstro, mas o Bambi talvez queira.)