Donnerstag, Januar 10, 2008

o dia em que o cão desmaiou.

Era uma noite quente de dezembro, as ondas de calor pareciam mofar tudo ao redor. Ele estava sentado no quarto semi-escuro, em frente ao tabuleiro de xadrez, e perguntou o que eu andava fazendo. O mesmo de sempre, eu disse. Continuo fazendo o mesmo de sempre e acho que cada um tem o seu tempo; até mesmo os cães desmaiam, concluí antes de adormecer sob um teto de telhas ordinárias.

[Acordei com a pressão baixa.]

Suava o frio que não tinha, do sono que não existiu; eu, minhas pálpebras pesadas e o suor atrás do joelho. Eu cravejando no lençol alheio minhas saudades; as amizades que não consigo manter e os cansaços que não vão embora.

Ele tinha um gato e provas de vestibular. Pálpebras tristes e vícios. Abacaxi fresco, aceita? Aceitei. Mas pra quê? Não deveria nem ter entrado ali, pra quê? Pra ver nas rugas dele as minhas, pra sentir o peso de tudo que não aconteceu e do tempo implacável? E agora ele fuma, traga e solta a fumaça que dança no tabuleiro de xadrez. Ele tenta me explicar as regras, mas eu não consigo mais. Só consigo pensar em quantos quilos de bafo quente são necessários para que o cão desmaie. Só consigo pensar na cama com o gato vira-lata e o ventilador estragado. Os sonhos estragados e o abacaxi doce. As rugas ao redor da boca dele não estavam ali há mais de 3 anos, nem essa dobra de gordura na frente do cotovelo. Nem os cotonetes sujos, nem essa falta de fazer sentido. Aonde foi que eu me perdi? Como tudo começou e como foi acabar em pressão baixa no sol escaldante de uma manhã de verão em Porto Alegre? Eu não sei. Só consigo lembrar das rugas ao redor da boca, do cabelo em estilo Jesus, da tristeza diante das provas do vestibular. Com 34 anos, temos ou não temos muito tempo pela frente?

[Nós costumávamos ter a mesma idade.]

Eu e a menina-lixa, a senhorita assuntos-que-interessam observando as celulites alheias e me dizendo que já era, eu já era, nós já éramos. Glu-glu-glu, abram alas pro Peru e para as novas lolitas. Se o meu tempo já passou é só porque o teu nunca existiu, menina-lixa. As restrições e a palavra pregada. Jesus de saias e noteboook. Não, não posso mais com isso. Tudo isso pra terminar com o gosto da cerveja fervilhando em uma goela de ressaca. Tudo isso pra ouvir o fogo arrebentando de desgosto problemático e mal direcionado. Assim acabam as pessoas: novos magros orgulhosos ou gordinhos restritivos. Trinta e quatro anos arrastados de tão pesados que ninguém levanta ou puxa. Estica, estica pelo menos as tripas da cabeça, vê se enxerga com um coração de mãe carne-osso e esquece essa máscara de ajeitar no espelho. Quem dá as costas não pode se enxergar de frente e o vice-versa não funciona nesse caso. Não, eu não entendo mais as regras. Nem as promessas.



[No vestibular, a competição entre o homem velho e as garotinhas de mini-saia; a fiscal sexy e o vestibulando afoito. Lembra?]


Versos.

Maldade.



Controversas;


Imagens, imagens; no fim são só imagens, talvez diálogos e quem sabe desgostos.

No fim, apenas ser gentil importa. A gentileza dele acompanhava, nas olheiras, a decepção; na menina-lixa, a decepção acompanhava o ar-condicionado e as unhas vermelhas. É tudo uma questão de acompanhantes, de parcerias, de falsos elos. Ah, os elos são tão fracos aqui e ali, uma palavra dita e se arrebenta, um som na escuta e dois berros no coração. Não, já não posso mais. É preciso andar, é preciso andar; foi precisamente o que pensei enquanto me levantava de um colchão fedido em uma casa estranha, eu e minha dignidade intacta, eu e minha pressão baixa. Eu e o sol lá fora queimando a calçada morna da manhã. Eu e esse meu engasgo que não desce, esse gosto de ruína, de devastação interior. Eu e o exterior fracassado nos meus objetivos mortos. Eu e minhas palavras brotando clichês e sem nexo. Eu e meus 34 anos, meus 26 amores e 47 medos. Eu e minhas grosserias, meu pânico de telefone, meu vômito para os juízes de boteco. Vomitem vocês um pouco mais, vomitem seus desgostinhos frígidos no prato de porcelana da mamãe. Eu sou adolescente. Ah, os juízes de boteco, com esses também não posso mais. Eu gosto é de comer chocolate e de tirar fotografias. Eu gosto de sentar na cama e ler o dia inteiro um livro de amor. Eu gosto desses cachorros tristes em sombras de praça. Gosto de deitar na grama e olhar pra cima contando os galhos e desvendando suas geometrias. As pessoas costumam preferir as nuvens. Eu prefiro esses posts confessionais de aniversário. Eu prefiro o meu coração.