Samstag, Juli 21, 2007

Epifania Truffaut máscara cult

Bem simples, claro, direto e bêbado. Essa semana pensei em escrever sobre como pode ser mágico um momento na janela de madrugada observando o movimento das nuvens e o clarear mal delineado do dia. Pensei no quanto isso soaria Martha Medeiros. E então ouvi o barulho de carro. Surdinas, dizem. O homem do jornal, talvez. Pessoas acordando, com certeza. Perda total do sentido egotripiano quando a bate a noção de falta de psicodelia em corações despertos de ressaca numa manhã de domingo. Ou segunda. Ou terça. Ou sempre. Espíritos consumidos pelas trevas da diversão. Ridículo, clichê fora de casa. Deslocado mas muito à vontade. The Mamas and the papas. Não era o jornal. Era um caminhão de mudança com dois homens fortes de correntes douradas e camisas de tecido barato e botões abertos. O cachorro teve um ataque cardíaco pois não conseguiu evitar a invasão. O cachorro tinha cabelos brancos. Pelos o caralho. Circunflexo o caralho. Tão reto quanto opiniões moldadas por grupos compartilhando sabores de bala. Tão sadio quanto um mendigo comendo danoninho. Tão solidário quanto uma coca-cola na mão de um terrorista.
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Um dia eu quis ser alguma coisa. Um dia acreditei como você que o fim é uma certeza. E o início uma torpe e bronzeada esperança. De cabelos esvoaçantes e seios fartos.
Sem mais. Nunca há mais e sempre as sobras sufocam como sacolas plásticas em pequenos animais domésticos. Substantivo, verbo, adjetivo; a grande arte da prolixidade.
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=> "A idade da inocência" de Truffaut é um ode ao trabalho intrapsíquico de elaboração de perdas. Uma criança muito amada jamais será um adulto bem sucedido, é a lei da compensação. Se você não foi amado na infância, morra de enfarto aos trinta por amores obsessivos e não correspondidos. Crianças são sarcásticas, perspicazes, incríveis; mas entregam fácil as armas. Basta uma justificativa. Uma explicação.
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=> Uma explicação é a única coisa que deixa a desejar o filme "A jovem" de Luis Buñuel. Racismo, Pedofilia, cantores de jazz e pistoleiros de baixo calão. Um pastor. Uma garota de 14 anos que não tem medo de relações sexuais com velhos sujos de 50 mas teme religiosos e água fresca.
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Não é um bom momento para resenhas. Boa noite. Como é bom ter uma epifania. Como é bom saber que existe música, cinema e literatura. Como é bom saber que nem de cervejas e cigarros vivem as pessoas por dentro. Como é confortável saber que todos temos um interese maior além do nosso próprio ego projetado em experiências triviais que julgamos superiores. Como é triste todo e qualquer tipo de contagem. O cálculo é uma fraqueza e as palavras são rochas voadoras. Do sólido para o vaporoso, nem sempre. Mas o nada só existe por que uma jarra de suco não pode ficar 48 horas em cima de uma mesa.
Como é bom ouvir "My girl" e lembrar de um filme e não de uma pessoa. Os filmes não mudam, e portanto não morrem.

Montag, Juli 02, 2007

Eddie is dead



Eddie passava o dia girando a maçaneta compulsivamente enquanto curtia um som na vitrola. Eddie queria parar de girar a maçaneta, mas não conseguia. Existia algo nela, de metálico, de brilhoso, de pura fé. A maçaneta não abria a porta, o trinco estava estragado; o que significava que girar a maçaneta era inútil. Inútil como a vida de Eddie, a maçaneta pensava. O pior foi justamente quando a maçaneta começou a se comunicar com Eddie, e dizer como se sentia, um objeto sempre afagado mas sem nenhuma função que não fosse aquela. Um brinquedo, como um Lego ou uma Barbie, tanto faz. Brinquedos de menina, pensava Eddie, menino tem que jogar futebol. Ou tocar guitarra. Ou ser médico. Ou advogado. Inútil, inútil, inútil. A maçaneta também se sentia ineficaz. Os efeitos dela sobre Eddie nunca eram satisfatórios, na verdade. Era uma giradinha e um arrependimento, duas giradinhas e a vontade de girar a terceira.Sempre assim, um círculo vicioso; desejável e insuficiente. Inefável. A maçaneta era para Eddie deliciosa e inebriante. Mas ele sabia, sabia que devia parar ou acabaria como parte de uma máquina síncrona; induzindo uma força automotriz com condutores percorridos pela corrente de carga. Eddie tinha medo, mas não conseguia tirar a mão direita da maçaneta. Os dedos doíam, as dores musculares se tornaram cada vez mais agudas, até que a mão morreu. Morreu, mas não sem antes deixar como herança a sensibilidade da pele e a força dos músculos. A rigidez dos ossos. E a falência da vida, de qualquer forma.


[Escutem, a maçaneta não significa nada para mim, não posso continuar com ela. Ela me fere; faz com que eu me sinta um aleijado de masculinidade. Não posso dar vida à maçaneta. Preciso matá-la. Eu juro que me mataria, se isso fosse uma espécie de alternativa. Mas pra onde eu iria, então? Não posso pensar na possibilidade de um lugar sem maçanetas.]


A morte é sempre engraçada, não acham? Objetos sangrando eram um mote do surrealismo; onde ficava o choque? No sangue, ou no objeto? Eu não saberia dizer. É preciso evitar o que não se deveria dizer, mas para isso, é necessário antes matar um monte de coisas; coisas, em geral. Boa noite, Eddie. Bom dia, maçaneta. Até jamais.

winter's day

Ana Helena caminhava pela Avenida Independência no fim de um dia cinza em Porto Alegre. Os homens não olhavam para Ana Helena, nem mesmo os da fruteira, tão atenciosos que eram durante o horário do almoço mas, quando ela terminava o expediente e passava pela fruteira no horário de fechamento deles, eles não a olhavam com os mesmos olhos, afinal, as frutas já estavam nas caixas. E Ana Helena seguia pela avenida observando as persianas de ferro baixando nas mãos de unhas vermelhas de atendentes e vendedoras. Ana Helena roia as unhas e pintava os cabelos de castanho caju. O moço que trabalhava na loja de livros usados perto do trabalho de Ana Helena uma vez falou que achava sexy mulheres de cabelo castanho caju. Ana Helena pintou o cabelo e no outro dia voltou ao sebo para comprar um livro de auto-ajuda. O moço olhou para ela e riu, disse que ela parecia a Rita Lee em fase decadente. O que realmente impressionava Ana Helena era como a sua feiúra fazia com que as pessoas tomassem liberdades mais cedo que o previsível. Ana Helena sentia como se todos os donos de dedinhos trancados na porta estivessem descontando nela. Ela se sentia miserável. As coxas gordas rossavam enquanto ela caminhava em direção a sua casa naquele familiar fim de tarde na avenida de sempre. As dondocas com sacolinhas de papelão azul bebê com fitinhas mimosas a desprezavam com olhares para as luzes da cidade acendendo, com olhares para as vitrines iluminadas ou mesmo para a merda da calçada; olhares para todos os lados, menos para Ana Helena. Ana Helena estava depressiva. Seu emprego de faxineira de cabine de Sex Shop não compensava. Seu orkut tinha menos de uma visita por dia. Mas naquele fim de tarde sem pôr-do-sol as coisas mudariam. Ana Helena tinha certeza que quando chegasse em casa algo a esperaria embaixo da porta. Um disco talvez, ou uma carta, ou mesmo um encarte do nacional. Os empacotadores do Nacional freqüentavam a Sex Shop, Ana Helena achava um deles bonito. Nessa tarde de torpes esperanças rondando a imaginação de Ana Helena, ela tropeçou em uma pedra e caiu na avenida. Desmaiou. Quando acordou o céu era o verde do teto no HPS e o empacotador bonito do Nacional segurava rosas vermelhas ao seu lado. Ela não entendia. Ele contou que caminhava em direção a ela na Independência com as rosas, quando ela o viu e saiu correndo. Então olhou para a vitrine de vestidos de noiva e desmaiou. Não havia pedra nenhuma. Não havia obstáculo, apenas fuga. Ana Helena sorriu, e depois vomitou.
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[nas rosas vermelhas;
um banho de
amarelo-tédio
sobre o rubro
-da paixão.]

there is a house in new orleans

A garota-que-morava-no-relógio e o menino-de-trajes-de-lã dançavam ping-pong ritmado pelo teclado azul marinho em uma casa colorida de chão quadriculado e moradores lentos e, tão, mas tão sensíveis que derretiam ao menor acorde de música indie do tipo, bem, você sabe, eu sempre sei aquilo que toca fundo mesmo sem conhecer mas, um dia, quando você encontrar dentro dessa casinha pintada um desenho de nuvem carregada em um dia de tempestade, quando encontrar nessa nuvem todas as suas lágrimas de yougurt e lembranças sonoras de queridos vovôs tocando piano, quando você encontrar esse momento de cores pulsantes no ouvido, não olhe para trás, é preciso seguir em frente absorvendo todo o torpor desse instante de ação objetiva translúcida. Ou subjetive-se. Não fale por falar, então escute: uma canção de todos os santos de plástico cor-de-rosa pink ao lado de caixas de fósforos em prateleiras de mercadinhos da esquina. Mentalize. Os cigarros enfileirados dispostos em altura elevada em relação a cabeça dos vendedores. Os cartazes amarelo/azul de picolés com pitadas de flocos e tang de morango. As adolescentes semi-nuas nos cartazes de cerveja e na mesa ao lado. Olhos pretos, sofás de couro e carro do ano não combinam com mansões antigas de chãos quadriculados. Reflita.
Azar. Você decidiu bater na minha casa, sem se importar com o que aconteceu antes e, simplesmente, não consigo mais voltar para menina do relógio e o garoto dos trajes de lã. Espero que você tenha esquecido. Não guarde rancores de mendigos famintos. E a velha que tecia os agasalhos do menino, era tão importante que ficou de fora.

[uma mola suspensa em um arco-íris de emoções]

Pois devemos deixar ir, quando a música interrompe um processo qualquer de desinibição. Eu costumava ter muito disso. Mas o ritmo, o ritmo foi tudo que me restou, talvez por causa dos ponteiros da menina, sempre tão certeiros e mortais. O algodão teria sido mais útil do que a lã, mas às vezes o que se tem é mais prazeroso do que ambições elevadas. Ambições elevadas são como uma música instrumental. Relógios tocam música instrumental; meninas vivem em relógios e meninos enredados em novelos de lã. Um desfecho direto é enfadonho porém sincero. Frases afirmativas são sempre suspeitas, mas o medo é o pior sentimento. Nada é mais assustador do que o medo, mesmo esse de parecer retardada. Mesmo esse de não enjoar de hits dos Stones. Mesmo esse de parecer com qualquer coisa que não se encaixe em mim mesma. Uma piscina de menstruação no peito.

[Uma caixinha de fantoches no coração.]