Samstag, September 27, 2008

breve tradução de dois jardins

O jardim de nossa casa familiar, que hoje pertence ao meu velho irmão, começa pelo lado esquerdo do terreno, salpicado de ervas belas e daninhas; chamam atenção as alaranjadas flores de pétalas levemente pontiagudas e os canteiros separados por fileiras mal alinhadas de tijolo. São três os canteiros. No primeiro está a bananeira que com tamanha insensibilidade teve as folhas, por despejar suas franjas desprezando os limites da cerca elétrica, cortadas pelo novo vizinho que construíra sua casa sustentada por pilares de aço anti-terremotos. Algumas pessoas não suportam o mínimo rompimento de limites.
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No segundo canteiro, não cansa de envelhecer a antiga e harmoniosa pereira, com seu tronco de cascas secas mas ainda eficiente no sustentar dos galhos e seus pesados frutos; que quando maduros caem muitas vezes já podres ou previamente degustados por aves de pêlo colorido. Por esse motivo, nosso pai costumava ensacar as pêras com saquinhos de papel para cachorro-quente e alimentar os passarinhos com farelos de pão. E, mesmo em idade já avançada, não furtava-se de subir na bamba escada construída para alcançar os galhos mais altos.
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Tanto a leveza quanto a altura, a velhice quanto a maturidade, as pêras verdes e pesadas quanto às maduras e fatigadas caídas ao chão; nunca entendi como podem os filósofos modernos não se interessarem por tais explícitas relações conceituais. É sabido que a natureza reflete o homem, tanto nas límpias águas de um riacho abandonado no paraíso quanto na poluição de um rio urbano. Nosso jardim é um éden abandonado pelo ritmo sinuoso da cidade e seu espaço, mas jamais pelo tempo. Que o tempo corressse e vizinhos amigos ao morrer deixassem suas moradas para a livre destruição e bem aventurança de futuros moradores jovens com filhos de idade a brincar de balanço enquanto a queda inexorável não vinha, era certo. No entanto, isso a nossa mãe incomodava, ela que nunca gostou de mudanças e por esse motivo era aficionada pela limpeza e manutenção de seus bens. Essa era uma tentativa de evitar que o tempo a transformasse como bem quisesse, uma forma de mantê-la no poder ilusório da fruição natural. Dessa forma, o jardim era cuidado por nosso pai; a ele agradava as pétalas da flor de pêra espalhadas pelo chão com o mudar das estações do ano, assim como entusiasmava-se ao ver suas plantas crescerem e darem frutos ou milagres.
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O terceiro e último canteiro era onde ficava a pequena árvore de pitangas e as roseiras. Antigamente as fazia companhia também uma ameixeira, mas essa foi a baixo depois de ficar ‘bixada’, segundo alegaram nossos pais. Nunca entendi muito bem como apodrecem as plantas e suplicam pela própria destruição, assim como não entendo a facilidade dos homens para derrubar uma morada construída; quem sabe porque os que derrubam nunca são os mesmos que constroem, e os que morrem nunca os mesmos de quando nasceram.
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Hoje, quando volto a esse jardim do qual talvez nunca tenha saído, por ser ele o jardim de nossa infância, não carrego uma máquina fotográfica; deito na laje fria que por tanto tempo minha mãe reclamou a sujeira das pétalas deixadas pela pereira e contemplo os galhos de baixo para cima. Tal visão sempre me recorda um videoclipe da década passada. Me agradam os videoclipes com músicos processando canções em lugares tão vivamente naturais como um bosque ou uma praia, sendo o que mais gosto ambientado em uma ilha no meio de uma montanha de neve, a qual tem no centro um coqueiro de plástico.
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Um coqueiro de verdade exibe um segundo jardim da casa de nossos pais, o jardim da frente. E o chamo segundo porque dele nunca usufruí com prioridade, por rebeldia de ser teoricamente o principal. Talvez nunca tenha permanecido ali mais que um cigarro solitário, já na idade adulta, compartilhando minhas nádegas com as lajotas vermelhas que circundam o caminho de mármore até a porta. Mas lembro, por exemplo, de um amigo da adolescência indagar o porquê de nossa porta frontal sustentar o trinco justamente no meio e não no canto direito como a maioria. Penso que era alguma espécie de estilo em voga na época dos anos 70: uma maçaneta prateada se impunha no meio da porta de entrada envolta por um círculo também de cor prata. O círculo, para os antigos, representava a forma perfeita, e foi muito usado no cinema expressionista contra fundos iluminados, expressando assim a passageira harmonia do personagem.
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Gosto dos filmes expressionistas porque expressam, através da textura e do grafismo convertidos em imagem, os sentimentos humanos. Os filmes, assim como os jardins, prestam-se à comtemplação e podemos sempre recorrer a eles para exemplificar a memória, já que a memória nunca é confiável, pois está sempre submetida aos humores.
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Agora, após a refeição do meio dia, contemplando o primeiro jardim mais demoradamente, de estômago preenchido e sossegado, a pereira que antes parecia de tronco cascudo e seco me chama atenção para os cachos de flores que saem de seu sustentáculo de madeira viva; certamente uma outra planta acoplada à árvore, por métodos e denominação que me são desconhecidos. Parecem-me, pois, os filmes expressionistas ainda os mesmos, por não estarem nesse momento dispostos a minha frente por meio de algum aparelho reprodutor de imagens. Ainda que os escritores modernistas tenham sucessivamente tentado explicar os sentimentos por meio da exaustiva e prazerosa descrição das máquinas e seus respectivos funcionamentos e reproduções, ainda assim o homem não se mostrou mais inclinado a descrição da máquina como da natureza. Hoje, quando volto a esse jardim, penso que diz mais ele a mim do que eu sobre a bicicleta que aqui me trouxe e agora demonstra toda sua inutilidade quando limitada por um espaço restrito e domiciliar. Abandono então meu cigarro na borda da lajota vermelha para esquentar o café, e quando volto vejo que se rolou sozinho e com o vento até o centro da varanda. Contemplo a imagem, diriam muitos, metafórica, e lamento não carregar mais uma máquina fotográfica, apenas uma bicicleta.
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Muitas são as teorias sobre o turismo, maldito impulso humano de andar em círculos iludindo-se com o movimento que faz do tempo um joguete. Conhecemos certa vez um ciclista, o qual viajou léguas e léguas, cruzando fronteiras imaginárias a bordo de seu veículo de duas rodas. A roda, para os modernos, é símbolo de agilidade e condução.
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Meu irmão recolhe o cigarro do centro da varanda e o dispõe entre os lábios, estes circundados por marcas que sinalizam o cansaço da pele em abrir e fechar a boca sucessivamente ao longo dos anos. A velha vitrola portátil de nossos pais carreguei hoje até o meio do jardim frontal e dispus entre os girassóis, assim como a poltrona aveludada do antigo escritório. Aqui estamos onde jamais teríamos antes podido estar, pois a nossa mãe não agradava música nem desordem, cigarros ou flores. Aos nossos jovens corações, entretanto, não agrada a estabilidade, a não ser assim, visitada como lembrança viva, pois que reviver nada mais é que dar vida à memória.
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E, MILAGRE E EPIFANIA, eis que no meio do girassóis nasce um asfalto, exalando a fumaça quente de um ovo que nele se frita. E do ovo surge a suculenta gema e a saborosa clara, ainda que não nos mesmos corpos de quando saíram da galinha mãe. Os vícios derretem-se entre o caldo e a consistência, formando uma anti-matéria invisível aos nossos olhos que contemplam-se num misto de filmes e jardins. As calças desbotadas de meu irmão envolvem pernas que andaram por lugares que nunca vi e meus óculos coloridos parecem barreiras para o olhar dele que tenta inutilmente atravessar o reflexo de uma janela, sabendo ele que as janelas são sempre fixas; o que muda é o movimento, das máquinas, no asfalto que nasce os girassóis e dos girassóis que frágeis balançam ao vento.
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Muda, a contemplar o asfalto que entre nós nasceu, lhe estendo a xícara de café, pois que a boca não pode ter nada a dizer quando os olhos não se encontram. Meu irmão retira o cigarro dos lábios e o afunda na xícara, dizendo que agora sim estamos ambos de lábios livres para sorrir das mãos e dos olhos que tudo desvirtuam, como as ervas que quando arrancadas tansformam-se em milagres do estômago e do coração, ou físicos falando da anti-matéria. Eu digo que tanto faz, posto que tudo dissolve-se em um quarto canteiro do nosso asfalto-girassóis, por mais que não tenha sentido, aventura e emoção, pois aqui quem vos escreve é um ser humano e não uma memória.
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Sonntag, September 14, 2008

bringing David Foster Wallace back

Impossível trazê-lo de volta para onde nunca esteve. Físicos cogitam a supressão temporal. O tempo não faz sentido, quem sabe a distância. David Foster Wallace morreu-se e com ele meus sentimentos de miojo sabor morango. Meu nojo do mundo... ah, foda-se. Não quero aqui aparentar uma mente problemática ou mal compreendida. Quero apenas dizer que compreendo e não julgo. Não farei um discurso sobre o quanto o mundo é injusto para as almas sensíveis. Ele nem mesmo deixou um bilhete. Como disse um amigo, se tivesse começado a escrever um bilhete de suicídio talvez estivesse escrevendo até agora e não tivesse se matado.
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Todas as manifestações são do tipo: 'OH CÉUS MAS PQ!'
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Eu acho menos compreensível dizer porque continuamos nós a não morrermo-nos. As órbitas estão cansadas e nós estamos cansados das órbitas. Todo o estudo sociológico/filosófico fala em andar em círculos, mesmo o câncer (doença do século) é uma metástase, tal qual a metástase da informação. Se o ciclo tem caráter vital, também morre por rapidez e excesso. Tudo que está vivo morre e tudo que morre um dia esteve vivo.
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O que fazer com tanta informação? Como organizá-las de modo sensível e que nos dê prazer? Tentamos, começamos e paramos, pois a tarefa é árdua. Seguimos 'bringing back' como se essa fosse a solução; trazer de volta os anos 60, 70, 80, 90... blocos de informação pasteurizada, moda. Ah, a moda; simples saída para a individualização superficial. E que outro tipo de individualização poderíamos ambicionar? Nossa vida é feita de imagem e superfície; tela plana, digital, widescreen, plasma. Q? Eu não sei a diferença. A 'arte' muitas vezesé feita de frases roubadas do msn e as fotos da exposição ao lado talvez sejam muito grandes para o alcance de nossos olhos viciados, melhor dar uma olhadinha no fotolog do artista.
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Mas o que isso tudo tem a ver com arte? Ela, musa maior que já foi um meio de tornar a vida suportável, hoje se tornou, quem sabe, um flyer de sexta feira à noite. Arte é diversão. Eu não quero morrer-me, mas também não quero diversão. A diversão é um meio eficiente para se encobrir o tédio e nos livrar dos enfrentamentos necessários com nosso próprio vazio. Ou quem sabe o segredo seja mesmo não refletir sobre coisa nenhuma.. mas o segredo de quem e para quem? O mistério morreu. Nossa relação com as imagens, por exemplo, não é mais de contemplação e sim de interação. Interdisciplinariedade, teoria da recepção, iluminação recíproca entre as artes. Q? Eu sei mais ou menos a diferença. E de que me adianta? Tanta informação me dá preguiça, e tanta preguiça me dá nojo. Assim como um miojo de morango, a metáfora futurista que eu fiz de DFW para mim. Me individualizo e me despeço, agora, no meu foguetinho de ameixas podres. Tchau, amiguinhos. Engulam de nariz fechado todas essas tiradas engraçadinhas, as minhas e as vossas. São tantos nojos que começo a ter nojo mesmo de limpar-me.