Sonntag, Februar 23, 2014

Spring Breakers ou zombar da lógica quando ela está contra a humanidade





"Os homens são suaves, quando desejam alguma coisa dos mais fortes, e brutais, quando o solicitante é mais fraco do que eles. Eis aí, até agora, a chave para penetrar na essência da pessoa na sociedade.” (T. W. Adorno)




Pode parecer bizarra esta citação de Adorno num texto sobre Korine, já que o filme está mais pra um Sex Pistols zombando da nossa cara em estilo Lulu Santos –  um filme-poema punk-pop, com todas suas contradições. Apenas cito o filósofo alemão porque ele escreveu que o mundo só é único no tempo (Zeitgeist), e que a classificação é a condição do conhecimento (e não o próprio conhecimento) e o conhecimento, por sua vez, destrói a classificação. Mas pra que dialética agora? Vamos lá, classificar Spring Breakers, ou Harmonie Korine, o cool vendido – bem fácil, não? Assim já classificaram nossos intelectuais brasileiros (minto, só li um) mesmo sem ver o filme, só pelas cores (quentes demais ou algo assim) do trailler. De fato, nenhum problema em julgar pelo trailler. Não há como conhecer Spring Breakers e seus personagens, nem vendo o filme: eles são conceitos. Ou talvez não sejam. Talvez eu só queira aplicar algo que estou lendo no momento: como boa aluna da USP, Adorno, é claro. Mas acredite na sua intuição, porque ela lhe dirá: Spring Breakers é sobre isso. Sobre a Academia (garotas fugindo da facul) e sobre drogas (pra viver a vida loka no feriado), sobre dinheiro (que as faz não voltar mais), sobre ilusões (essas sim são perigosas – e não as garotas, como no subtítulo brasileiro). Ilusões perigosas porque fundadas em conceitos de tudo que está errado: estrelas da Disney e gente afim de ser gângster, mas resvalando na falsidade (num mundo que quer ser fofo demais e onde, portanto, isso não é possível).  








Spring Breakers não tem a ver com “O Poderoso Chefão”, tem a ver com "As Pequenas Margaridas" numa versão “O.C”, de cores rosas, laranjas e azuis como em “Drive” – onde a ironia com a estética cool, da qual o filme também é acusado, já constava e pouca gente entendeu.  Korine tem uma paleta para “Spring Breakers” que de fato não combina com “Gummo” nem com “Trash Humpers”, mais sujos e opacos. Mas com seu último filme ele consegue chegar onde “Gummo” não conseguiu e nem poderia, porque ali as meninas ainda eriçavam os seios com esparadrapos – eriçar era mais importante que aparecer. Com “Spring Breakers”, Korine conseguiu chegar na abdicação da história por uma mise en scene dogmática e videoclipesca, que é a cara dos nossos anos.  Sei lá como chama essa década de 2010 a 2020, ninguém sabe, e “Spring Breakers” é sobre isso, sobre a época herdeira e perdida entre a consciência indecisa e revoltada dos anos 1960 e 1970 (Fassbinder), a fascinação tosca dos 1980  e a melancolia suicida e paranoica dos 1990 (Brian de Palma).







Neste dois mil bem treze (quando o filme chegou a nós brasileiros, via pirata), Korine se liberta da narrativa, sem abandonar a história. Nossa história de se achar especial e estar cansado de não ser – mas somos certinhos: não tem matar aula, tem vida loka no feriado eterno. Estamos diante do único filme sobre o Zeitgeist desde os anos 80, desde “Curtindo a Vida Adoidado”. Curtir a vida adoidado não é mais matar aula, é matar de verdade, é se dar muito mal pra ficar numa boa (?) – é sobre dúvida, desespero e beleza (fuga). “Spring Breakers” é um grupo de Marissas de “O.C.” fazendo tudo que todo mundo que manda beijinho no FB quer: se entregar pro biquíni eterno. WTF fingir que a beleza não importa, WTF estudar. WTF = What the Fuck. Que foda é essa? É Tati Bernardi dizendo na Folha que quem não se deu bem até os 30 ou é filhinho de papai ou é um fracassado. A culpa é dos escravos, mas o mundo é dos espertos: sempre foi. E dos biquínis. E de gente gata. O mundo, do dinheiro, é claro. A total ausência de verdade (pelo excesso da presença da grana e do que move os personagens até ela) é a tônica do filme. James Franco, talvez melhor em “Freaks and Geeks”, é, no entanto, a vingança desse seu personagem no seriado anterior. Seus dentes de ouro são a coisa mais linda, fodida e forte do filme. Britney Spears tocada ao piano à beira-mar, e Franco ali sentado cercado de meninas de capuz é de fato uma imagem que vale por mil palavras.



Por que o Brasil reclama, por que 2013 foi o ano das manifestações aqui e o ano de “Spring Breakers” dominando na lista dos melhores do ano na Cahiers? Cahiers está decadente, ok, mas Korine certamente não. Porque Harmonie Korine, o cara que aceita pedido de amizade de todo mundo no Facebook (tente e você verá) tem humildade o bastante pra se colocar abaixo do cinema e do palco virtual e midiático, pra se render às tendências – criticando, entendendo que essa é a única forma possível de criticar, embora talvez fracasse, porque não estamos prontos pra entender nossa época, nem estaremos nos próximos 30 anos. Mas existem padrões universais no filme e na vida: uma garota boazinha (passageira) e as outras poucas (adolescentes, eternas), espertas ou rebeldes? Não é sempre essa a proporção? Por quê? Regra da tragédia? Aristóteles? Não. Brian de Palma: dublê de corpo. Entenda as gostosas do filme como substitutas: do amor e das cores opacas e tristes. O mundo novo que Korine nos mostra é colorido, e violento, mas acima de tudo: musical. Elas podem ser socialmente abomináveis, mas são lindas e soam bem aos nossos olhos. O cinema pra cegos que Godard dizia fazer já talvez não nos caiba mais. Hoje o cinema é para surdos. “Spring Breakers” tem ritmo em suas cores e cenas exageradas, o ritmo do caos, da energia, da consciência da física quântica, mas ainda assim um ritmo afundado em cores e corpos – música soterrada pelo peso da imagem. O punk se rende ao pop em uma declaração de ódio. Biquínis em cores fosforescentes nas mocinhas e dentes de ouro no bandido: eis a historinha imagética mais Disney de nossa época, eis tudo que Justin Bieber queria fazer pichando muros no Rio Janeiro e não conseguiu (porque sequer sabe o que quer, como a maioria de nós, talvez), eis um mundo de atitude e pouca reflexão - eis tudo que Miley Cyrus talvez um dia consiga: mostrar o quanto somos idiotas e nos achamos sábios, nesta época, mais do que nunca. Já dizia Adorno: o conhecimento destrói o conhecimento. Dos anos 1960 aos 1980 sabíamos melhor que conhecimento é lixo sem autodestruição (pouca e dialética), nos 1990 percebemos que não sabíamos de nada, e daí foi só ladeira abaixo. Hoje limpeza é Britney Spears numa cena rosa. Obrigada, Korine. Porque apesar de não saber de nada, sinto. Sinto que amor ao cinema TRUE é, entre outras posturas, colocar tua mulher (de uma beleza natural destruidora) no meio das gostosas da Disney, por mais contraditório que isso pareça. Obrigada, Korine, você é o Fassbinder que merecemos.








(Crítica originalmente publicada no Zinematógrafo, dezembro/2013)

Montag, Februar 17, 2014

Amado BUK aconselha





Não deixe as pessoas serem
seu alicerce.
nem as garotas jovens
nem as garotas velhas
nem os homens jovens
nem os homens velhos
nem aqueles no meio-termo
nenhum deles,
não deixe as pessoas serem
seu alicerce.

Ao invés disso
construa na areia
construa no lixão
construa na fossa
construa nos túmulos
construa na água,
mas não construa nas
pessoas.

Elas são uma aposta ruim,
a pior aposta que você pode fazer.

Construa em outro lugar,
qualquer outro,
qualquer
mas não nas pessoas,
massas
sem cabeça, sem coração
emporcalhando os
séculos,
os dias,
as noites,
as cidades, os municípios,
as nações,
a Terra,
a estratosfera,
emporcalhando a
luz,
emporcalhando todas
as chances,
aqui,
emporcalhando completamente
tudo
agora
e amanhã.

Qualquer coisa
comparada às pessoas,
é um alicerce melhor a se procurar.

Qualquer coisa.

(Tradução: Jao Moonshine)

Donnerstag, Februar 13, 2014

Poesia

ESPLANADA

Naquele tempo falavas muito de perfeição,
da prosa dos versos irregulares
onde cantam os sentimentos irregulares.
Envelhecemos todos, tu, eu e a discussão,

agora lês saramagos & coisas assim
e eu já não fico a ouvir-te como antigamente
olhando as tuas pernas que subiam lentamente
até um sítio escuro dentro de mim.

O café agora é um banco, tu professora de liceu;
Bob Dylan encheu-se de dinheiro, o Che morreu.
Agora as tuas pernas são coisas úteis, andantes,
e não caminhos por andar como dantes.

MANUEL ANTÓNIO PINA