Soa na perna atrás do joelho, nas axilas, nos móveis de madeira quente, nos vidros embriagados de vapor, no pé, dentro dos coturnos, o chulé. O chulé das frases feitas de natal, dos hipócritas em roupa de festa querendo ressuscitar simpatias mortas; o calor não me compra, mortes não passam de brincadeiras místicas desprovidas de bom senso. O cansaço não me faz render, a renda branca do vestido da menina-vida. A boneca de peito-pilha cantante embaixo do pinheiro plástico-artificial e o copo de champanha virado em uma mesa de perus e tortas. A desilusão da mãe que ganhou batedeira e queria vestido, o sono do bom filho nas festas em fim de madrugada; saindo do quadrado escuro e ganhando o céu-círculo-terrestre azul-turquesa.
O suor no rosto e nos cabelos das festas com música eletrônica. As imagens que dançam e cansam e depois descansam em havaianas verdes.
Amarelo-sol no desenho da criança-ressaca; ressaca-mãe no colo do pai ausente. Ausências como preto-e-branco em uma ditadura colorida. Nas cores, no céu, no mar de amores. Nos amores brutos, secos, suados, frios. Nos frios; salamito, presunto magro, gordo; 100 gramas. Vozes de 350 kg. Ouvidos peso-pluma. Bocas que sorriem e olhos que dilatam e fecham e dançam a música colorida pelos lápis de dentro. Da cabeça, do coração, do fígado. Como vão os seus rins? Pra onde foi a minha cachaça? Do que eu estava falando mesmo? Vai ser sempre assim? Quando vou sair dessa lama na poça de deuses e margaridas e crustáceos? Pra onde foram os argonautas, os alquimistas e os mágicos? Do que é feito o azul-marinho de um início-noite?
De enganos, meu bem, de enganos. A vida é feita de enganos e neles reside a beleza metafísica dessas tardes 40 graus à sombra. A vida é feita de enganos e nisso consiste o portal que nos confina para sempre à caverna do dragão. A eterna caverna do dragão é nosso estômago nauseado de promessas e comidas e álcool. Os cigarros consumidos e o dinheiro desperdiçado mas, a cima de tudo, a escória da humanidade trajada de estudantes-estagiários. O fundo da lata de polar em olhos cínicos e palavras estudadas. A dança da vez e a vez da corrida. Correr disso tudo de mim, numa chama de cansaço e preguiça em ressacas de fim de ano.
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