Bem simples, claro, direto e bêbado. Essa semana pensei em escrever sobre como pode ser mágico um momento na janela de madrugada observando o movimento das nuvens e o clarear mal delineado do dia. Pensei no quanto isso soaria Martha Medeiros. E então ouvi o barulho de carro. Surdinas, dizem. O homem do jornal, talvez. Pessoas acordando, com certeza. Perda total do sentido egotripiano quando a bate a noção de falta de psicodelia em corações despertos de ressaca numa manhã de domingo. Ou segunda. Ou terça. Ou sempre. Espíritos consumidos pelas trevas da diversão. Ridículo, clichê fora de casa. Deslocado mas muito à vontade. The Mamas and the papas. Não era o jornal. Era um caminhão de mudança com dois homens fortes de correntes douradas e camisas de tecido barato e botões abertos. O cachorro teve um ataque cardíaco pois não conseguiu evitar a invasão. O cachorro tinha cabelos brancos. Pelos o caralho. Circunflexo o caralho. Tão reto quanto opiniões moldadas por grupos compartilhando sabores de bala. Tão sadio quanto um mendigo comendo danoninho. Tão solidário quanto uma coca-cola na mão de um terrorista.
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Um dia eu quis ser alguma coisa. Um dia acreditei como você que o fim é uma certeza. E o início uma torpe e bronzeada esperança. De cabelos esvoaçantes e seios fartos.
Sem mais. Nunca há mais e sempre as sobras sufocam como sacolas plásticas em pequenos animais domésticos. Substantivo, verbo, adjetivo; a grande arte da prolixidade.
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=> "A idade da inocência" de Truffaut é um ode ao trabalho intrapsíquico de elaboração de perdas. Uma criança muito amada jamais será um adulto bem sucedido, é a lei da compensação. Se você não foi amado na infância, morra de enfarto aos trinta por amores obsessivos e não correspondidos. Crianças são sarcásticas, perspicazes, incríveis; mas entregam fácil as armas. Basta uma justificativa. Uma explicação.
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=> Uma explicação é a única coisa que deixa a desejar o filme "A jovem" de Luis Buñuel. Racismo, Pedofilia, cantores de jazz e pistoleiros de baixo calão. Um pastor. Uma garota de 14 anos que não tem medo de relações sexuais com velhos sujos de 50 mas teme religiosos e água fresca.
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Não é um bom momento para resenhas. Boa noite. Como é bom ter uma epifania. Como é bom saber que existe música, cinema e literatura. Como é bom saber que nem de cervejas e cigarros vivem as pessoas por dentro. Como é confortável saber que todos temos um interese maior além do nosso próprio ego projetado em experiências triviais que julgamos superiores. Como é triste todo e qualquer tipo de contagem. O cálculo é uma fraqueza e as palavras são rochas voadoras. Do sólido para o vaporoso, nem sempre. Mas o nada só existe por que uma jarra de suco não pode ficar 48 horas em cima de uma mesa.
Como é bom ouvir "My girl" e lembrar de um filme e não de uma pessoa. Os filmes não mudam, e portanto não morrem.
2 Kommentare:
Oi Gabriela. Queria conseguir "sair do tradicional" e escrever deste jeito (novamente). Parece que alguma coisa na minha vida me "massificou", "normalizou", tirou minha singularidade.
Textos como esse me lembrar de que há vida possível do outro lado do bosque (ou seria dentro do bosque, como em outro filme de Truffaut?)
essa frase do my girl diz tuuuuuudo.
sou tua fã, gabi. =)
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