Eddie passava o dia girando a maçaneta compulsivamente enquanto curtia um som na vitrola. Eddie queria parar de girar a maçaneta, mas não conseguia. Existia algo nela, de metálico, de brilhoso, de pura fé. A maçaneta não abria a porta, o trinco estava estragado; o que significava que girar a maçaneta era inútil. Inútil como a vida de Eddie, a maçaneta pensava. O pior foi justamente quando a maçaneta começou a se comunicar com Eddie, e dizer como se sentia, um objeto sempre afagado mas sem nenhuma função que não fosse aquela. Um brinquedo, como um Lego ou uma Barbie, tanto faz. Brinquedos de menina, pensava Eddie, menino tem que jogar futebol. Ou tocar guitarra. Ou ser médico. Ou advogado. Inútil, inútil, inútil. A maçaneta também se sentia ineficaz. Os efeitos dela sobre Eddie nunca eram satisfatórios, na verdade. Era uma giradinha e um arrependimento, duas giradinhas e a vontade de girar a terceira.Sempre assim, um círculo vicioso; desejável e insuficiente. Inefável. A maçaneta era para Eddie deliciosa e inebriante. Mas ele sabia, sabia que devia parar ou acabaria como parte de uma máquina síncrona; induzindo uma força automotriz com condutores percorridos pela corrente de carga. Eddie tinha medo, mas não conseguia tirar a mão direita da maçaneta. Os dedos doíam, as dores musculares se tornaram cada vez mais agudas, até que a mão morreu. Morreu, mas não sem antes deixar como herança a sensibilidade da pele e a força dos músculos. A rigidez dos ossos. E a falência da vida, de qualquer forma.
[Escutem, a maçaneta não significa nada para mim, não posso continuar com ela. Ela me fere; faz com que eu me sinta um aleijado de masculinidade. Não posso dar vida à maçaneta. Preciso matá-la. Eu juro que me mataria, se isso fosse uma espécie de alternativa. Mas pra onde eu iria, então? Não posso pensar na possibilidade de um lugar sem maçanetas.]
A morte é sempre engraçada, não acham? Objetos sangrando eram um mote do surrealismo; onde ficava o choque? No sangue, ou no objeto? Eu não saberia dizer. É preciso evitar o que não se deveria dizer, mas para isso, é necessário antes matar um monte de coisas; coisas, em geral. Boa noite, Eddie. Bom dia, maçaneta. Até jamais.
1 Kommentar:
Se eu um dia eu realmente aplicasse a minha classificao pra expressar o quanto gostei de alguma coisa, a "tiro meu chapeu" (vulgarmente adaptada a 'yo quito mi sombrero") certamente estaria entre as grandes.
Entao poe esse texto na classificacao, nao sei se pelo Eddie, pela macaneta ou pela habilidade da autora(puxa saquismo, mas esse e valido. E estou sem acento).
Foin oin oin.
Kommentar veröffentlichen