Ana Helena caminhava pela Avenida Independência no fim de um dia cinza em Porto Alegre. Os homens não olhavam para Ana Helena, nem mesmo os da fruteira, tão atenciosos que eram durante o horário do almoço mas, quando ela terminava o expediente e passava pela fruteira no horário de fechamento deles, eles não a olhavam com os mesmos olhos, afinal, as frutas já estavam nas caixas. E Ana Helena seguia pela avenida observando as persianas de ferro baixando nas mãos de unhas vermelhas de atendentes e vendedoras. Ana Helena roia as unhas e pintava os cabelos de castanho caju. O moço que trabalhava na loja de livros usados perto do trabalho de Ana Helena uma vez falou que achava sexy mulheres de cabelo castanho caju. Ana Helena pintou o cabelo e no outro dia voltou ao sebo para comprar um livro de auto-ajuda. O moço olhou para ela e riu, disse que ela parecia a Rita Lee em fase decadente. O que realmente impressionava Ana Helena era como a sua feiúra fazia com que as pessoas tomassem liberdades mais cedo que o previsível. Ana Helena sentia como se todos os donos de dedinhos trancados na porta estivessem descontando nela. Ela se sentia miserável. As coxas gordas rossavam enquanto ela caminhava em direção a sua casa naquele familiar fim de tarde na avenida de sempre. As dondocas com sacolinhas de papelão azul bebê com fitinhas mimosas a desprezavam com olhares para as luzes da cidade acendendo, com olhares para as vitrines iluminadas ou mesmo para a merda da calçada; olhares para todos os lados, menos para Ana Helena. Ana Helena estava depressiva. Seu emprego de faxineira de cabine de Sex Shop não compensava. Seu orkut tinha menos de uma visita por dia. Mas naquele fim de tarde sem pôr-do-sol as coisas mudariam. Ana Helena tinha certeza que quando chegasse em casa algo a esperaria embaixo da porta. Um disco talvez, ou uma carta, ou mesmo um encarte do nacional. Os empacotadores do Nacional freqüentavam a Sex Shop, Ana Helena achava um deles bonito. Nessa tarde de torpes esperanças rondando a imaginação de Ana Helena, ela tropeçou em uma pedra e caiu na avenida. Desmaiou. Quando acordou o céu era o verde do teto no HPS e o empacotador bonito do Nacional segurava rosas vermelhas ao seu lado. Ela não entendia. Ele contou que caminhava em direção a ela na Independência com as rosas, quando ela o viu e saiu correndo. Então olhou para a vitrine de vestidos de noiva e desmaiou. Não havia pedra nenhuma. Não havia obstáculo, apenas fuga. Ana Helena sorriu, e depois vomitou.
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[nas rosas vermelhas;
um banho de
amarelo-tédio
sobre o rubro
-da paixão.]
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