Mittwoch, November 29, 2006

Recomendo que você conheça seu vizinho.

Meu vizinho, um cara clássico. Lia livros em alemão encapados com folhas de revista no ônibus e nos dias de chuva saía de casa com uma touquinha cirúrgica cobrindo seus cabelos brancos e volumosos para os lados, numa mistura de Bozo com Einstein. Era formado em Física e Medicina pela UFRGS e auxiliava nas pesquisas do Departamento de Física Nuclear da Universidade. Descobri isso há dois dias pela Zero Hora, e agora penso como o mundo é bizarro, mais bizarro do que sempre, tantos anos ali ao lado, tantas noites sozinha e ele ao lado, também. Solidão compartilhada é tão bonita mas, tá, talvez não seja tudo isso, só estou sensibilizada. Mas ele era tão bonito no seu estilo cabeção discreto que só falava com os vizinhos para presenteá-los com goiabas e juntar as bolas que as crianças chutavam para o seu pátio.
Mataram o meu vizinho, 3 dias e não consigo parar de pensar. Vejo as poças de sangue me debruçando no muro, as crianças também viram e perguntam "será que ele fez mal pra alguém?". Asfixiaram o velhinho com uma sacola plástica e deram pauladas em seu pescoço para depois arrastar o corpo até o pátio, onde o cobriram com algumas folhas secas. Eu estava na sala tomando cervejas e assistindo "Factotum", não ouvi nada, nem o cachorro.
Eu sei que informações sobre crimes como esse não trazem nada de útil para os leitores, apenas fofoca e especulação. Quantos relatos também já não li desse tipo "a gente sempre acha que não é com a gente até acontecer por perto" e continuei achando que não era comigo. A gente sempre vai achar que não é, até que o jardim da nossa própria casa fica infectado por uma áurea estranha.
A violência urbana já um clichê, que merda.
Eu sei quem matou mas não vou escrever aqui, acho, inclusive, ainda bem, que não se trata de violência urbana e sim de violação espiritual do caráter. Algum escritor famoso disse que admirava 3 tipos de pessoa: o assassino, o padre e a puta. Não lembro a justificativa da opinião mas lembro que achava o auge do pensamento intelectual aprimorado. Agora penso que o assassino está fora do círculo. Não o admiro mais. Não é como nos filmes, sei que descobri tarde, mas nunca tinha conhecido um ao vivo. Talvez minha idéia de assassino fosse aquela de um destruidor destemido e amoral, e é impossível negar que existe sim uma áurea sedutora ao redor dos crimes, principalmente os que envolvem rituais satânicos. São crimes sem utilidade pública mas no entanto são os mais chocantes. Qual o motivo de nos interessarmos por conflitos que dizemm respeito somente aos envolvidos? Há mais ou menos uma semana atrás um casal se suicidou num motel e, curiosamente, a menina de 14 anos que supostamente se matou por causa da opinião dos pais a respeito do seu namoro com o músico de 30 anos, morava na rua atrás da minha. Ambos os crimes são daquele único tipo que podemos dizer "o raio não vai cair no mesmo lugar", pois não é como um crime em uma rua específica, que depois podemos evitar de passar ou morar, é um crime com PESSOAS específicas, e que já morreram. Mesmo sabendo da equivalência entre estes crimes e fofocas da Contigo, já acessei a página policial da Zero Hora por diversas vezes na mesma semana. E não consigo parar de me sentir péssima, por isso peço licença para utilizar este espaço público como terapia, não que os outros textos também não sejam mas, hoje, pela primeria vez, senti vontade de falar assim, claramente, sobre fatos reais e apelativos. Me desculpem, sei que isso é péssimo, mas eu precisava compartilhar, dizem que terapia em grupo é muito eficaz, imagina então terapia em rede mundial.

5 Kommentare:

Anonym hat gesagt…

Eu soube da menina de 14 anos e o seu professor de música de 30 anos. Acho que todo mundo soube. De qualquer forma, por mais negativa que a mesma seja, gosto de ver que existem crimes que ainda nos chocam e surpreendem, pois como tu mesma escreveste; a violencia virou um cliche.
Beijos.

em desconstrução hat gesagt…

A única espécie de acontecimento malígno que não tem nenhuma "beleza" ou apelo estético (por que será que o enigmático se confunde com o belo?), é a guerra.
Nos casos de assassinatos e suicídios pela vizinhança, há um "quê" de romantismo; como se esperássemos uma continuidade coerente nos comportamentos [o medo do desconhecido].
Confesso que tenho um tombo por assassinos, uma visão deveras romanceada.
Olha só:
Psique - padrões de estruturação do desempenho psicológico ligados ao INSTINTO; uma entidade hipotética irrepresentável em si mesma, evidente somente através de suas manifestações.
Ali, a palavra "INSTINTO"; que tipo de criatura tem esse impulso, o de matar..?
Penso na cadeia alimentar; definitivamente somos também animais.

em desconstrução hat gesagt…

Ah! Tive que voltar...
Se o hoje é sempre, e todas as escolhas vêm acompanhadas de morte [para pegar uma coisa preciso soltar outra], a morte nos acompanha diariamente, em doses homeopáticas.
Em cidades pequenas e em bairros residenciais distantes da dinâmica dos grandes centros, pelo menos sabe-se o que acontece nos arredores. Mas e quando não sabemos?
Exemplo:
"Julinha sentada no banco da praça fumando com o Zé.
-Olha quem vem lá....é a Maria!
Maria se aproxima, com uma cara de nojo:
-Semana passada um mendigo morreu esfaqueado bem nesse banco que vcs estão sentados....
-AAAAAAAAAAAAAAAAA!!!!!!!!!!!!!"

Saca?

pig hat gesagt…

poxa

Anonym hat gesagt…

mais um post maravilhoso, acho que tu é tão especial que pode falar de qualquer coisa que será igualmente agradvel de ler. a ultima frase é genial, usarei muito.

tu mora na zona sul?