Dienstag, März 20, 2007

Der Versager

Morava com os tios doentes em um bairro tranqüilo da cidade, uma tranqüilidade que contrastava com os modos angustiados da família. Não gostava de família, não suportava a idéia de que tinha algum tipo de compromisso com pessoas que o haviam ajudado desde a infância; a justificativa era de que, mesmo assim, não tivera uma infância feliz. Não poderia salvá-los, por que lhe ensinaram muitas coisas, menos a salvar uma alma. Que dirá duas. Que dirá um corpo. Ficava sentado depois de um dia de trabalho na frente do modem que piscava acusando falta de conexão. Olhava pro modem, o modem o olhava, nada acontecia. A mesma luzinha verde sempre piscando, a raiva do provedor, da linha telefônica da empresa privada. Uma privada. Cheia. Lotada. Transbordante. A tia reclamava na sala ao lado. O timbre da voz era insuportável, o tom das palavras mais ainda e, as palavras, nada diziam de novo. Ele sentia raiva, e a culpa por ter raiva. E a culpa pela culpa de ter raiva no lugar do ânimo e da desenvoltura necessária para o sucesso. Ele achava que seria um homem de sucesso, os próprios tios confirmavam, na infância. Criança brilhante, adulto próspero. O clichê mais cruel de todos, pensou. A gravata apertava o pescoço, mas ele não a soltava. Não conseguiu sequer abrir as braguilhas para relaxar a barriga marcada pelos elásticos da calça. Marcas vermelhas. O modem piscava. Sem internet, ele estava perdido. Não conseguia mais estudar, ler, sequer mover-se. O modem piscava. Quem sabe, um pouco de Fernando Pessoa antes de dormir, depois que os tios estiverem deitados e o computador esquecido aguardando a solução divina. Fodam-se as reclamações da tia, ele queria um milagre para o modem, e só.
Ele se sentia só. Só no sentido de pouco, só no sentido de solidão. Naquele dia que o modem pifou ele tinha saído do emprego. Uma merda de emprego, mas tinha internet a cabo. Agora ele saiu do emprego e o modem estragou. Em breve iriam chamá-lo para outro emprego, e ele precisaria da internet disponível. Algo com cadastros. Sites. Ele se sentia sem lugar; não bem sem um lugar ao sol, pois desse já tinha desistido. E se agora o modem estivesse funcionando, o amigo lhe diria no msn que ele é um inseguro. Sim, ele é um inseguro, um medroso detestável, na sua própria opinião. Algumas pessoas têm mais medo do sucesso do que do fracasso, dizem. E, realmente, o fracasso não lhe comovia. Mesmo ali, sem emprego, sem faculdade, sem modem; tudo que ele conseguia fazer era manter a gravata apertando o pescoço e as calças estrangulando a barriga. Assim como o fracasso, sua história não tinha um final. Assim como as histórias, os fracassos são um estado de espírito, uma raiva da proximidade, um enjôo da dor.
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Dois dias depois, ainda sem modem, ainda com os tios doentes, ainda sem emprego, o rapaz se sentia culpado agora pela falta de utilidade no ramo das prestações de serviço. Sentia falta do trabalho ao mesmo tempo em que repudiava a idéia de sentir-se pouco digno apenas como um estudante de Filosofia. Na Alemanha, estudar é uma profissão; pensou. Os tios não falavam nada, mas ele notava em seus escassos gestos o pouco caso, uma quase indiferença; na hora das refeições, as poucas refeições que o rapaz fazia em casa. Por vezes ele preferia ficar ao relento tirando fotos digitais do movimento das nuvens, por outras lhe agradava apenas sentar em alguma praça ou escadaria e fumar o seu cigarro. Chamava o cigarro de “meu melhor amigo” nas conversas entre os amigos íntimos, para logo depois ser apossado da culpa pela adoração aos vícios mundanos e prejudiciais. Morreria de câncer, talvez. E voltava a pensar na morte; quem sabe, fossem os cigarros. O rapaz sentia por ainda outras vezes, quase todas, o olhar inquisitório da humanidade. Nesses momentos, achava suas roupas adolescentes demais e seus trejeitos um tanto afeminados. E o modem, que continuava estragado, durante esses dois dias continuou a completar todos os pensamentos auto-reflexivos do rapaz, confirmando que tudo com ele só podia estar errado. Mesmo seus estudos de Filosofia não ofereciam grande atrativo naqueles dias de calor; pegava um livro ou outro, mas só conseguia mesmo ler o “livro do desassossego”. Lia na cama, de noite, depois do cigarro, em frente ao ventilador. Cansava os olhos até não poder mais e só então apagava a luz; não sem antes lembrar que não havia ajudado a tia a retirar os pratos da mesa de jantar e que, talvez, amanhã ela estivesse morta.

3 Kommentare:

bomqueiroz hat gesagt…

Sofro como tua personagem, porém nem a máquina possuo mais

bomqueiroz hat gesagt…
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Unknown hat gesagt…

eu nunca comento aqui,mas sempre leio teu blog incrível!
:)
muah!