meu peito é uma garrafa vazia?
o mundo nos faz péssimos pais e ótimos avós, mas avós noramalmente desenvolvem doenças degenerativas; o corpo é falho.
me distraio observando a criança de 4 anos maquiando a boneca com pincéis de teclado. o homem de setenta e poucos que dorme em frente à banca de flores em outro país. eu só queria salvá-los.
as cores que entram pelo cabo USB. eu só queros que continuem vivos.
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a cozinha azul e os robôs vestidos de borracha. a roupa branca, suja e furada, o aparelho que urina líquido potável acoplado nos bolsos de metal. a falta que sentiam do cheiro de suor correndo na parte traseira do joelho. eu só quero que me deixem viva.
onde está o meu amor?
eu só quero um pote de leite vermelho, mas, diná, é só um coelho com um relógio.
a cozinha azul e os robôs vestidos de borracha. a roupa branca, suja e furada, o aparelho que urina líquido potável acoplado nos bolsos de metal. a falta que sentiam do cheiro de suor correndo na parte traseira do joelho. eu só quero que me deixem viva.
onde está o meu amor?
eu só quero um pote de leite vermelho, mas, diná, é só um coelho com um relógio.
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a mesa do escritório que meu avô chama de “büro”. os boletins do posto de saúde. a carterinha do convênio. o livrinho com exercícios para os músculos inferiores. as receitas médicas organizadas em pastinhas amarelas com o nome do médico preso em fita durex. eu insistindo para que ele tenha um geriatra, um médico fixo, ele dizendo que geriatra "é tudo charlatão".
meu avô, apesar de um homem durão, sempre enche os olhos d’água. a boca não mexe, os braços não abraçam e nem as mãos tremem, mas os olhos sempre denunciam. óculos escuro é “coisa de bandido”.
e então tem esse olho-aquário que aparece quando meu irmão imita seu jeito de vestir as calças mais perto do peito do que da cintura (aí o olhinho avermelha enquanto a boca engole uma risada seca e murmura uma espécie de expressão sílvio santos, só que sem abrir a boca. difícil imaginar, eu sei. mais difícil é esconder o constrangimento nessas horas, quem choraria por uma piadinha tão boba?). às vezes acontece quando ele conta de algum amigo que morreu. lembro de uma vez ter ido com ele numa dessas reuniões de amigos do colégio. outro dia perguntei por quê não faziam mais as reuniões, e ele disse que todos os colegas haviam morrido.
5 Kommentare:
Tocante.
Pensei em outras palavras. Me pareceram inexatas.
Mesmo a palavra "tocante" teve que ganhar um sentido novo. Sentindo de mão guardada por dentro que te aperta justo onde dói.
O belo dói muito mais do que qualquer outra coisa. Ainda mais quando é um belo assim limpo, de cara lavada pra quem quiser ver.
Tocante.
Mesmo.
Eu era pequena, devia ter mais ou menos sete anos e minha avó veio a falecer. Meu avô ficou estarrecido e em choque por mais ou menos um ano. Lembro de ter perguntado a ele porque que ele estava tão triste, e ele disse que "O final da vida era muito triste". E hoje eu penso nisso, e com certeza... Deve ser...
Bem bacana. Gosto do seu apreço por velhinhos.
Quando estive na Argentina eu saí com a Tânia, uma espécie de tia-avó, que quase morreu há três meses do coração, mas logo se recuperou e disse que se cansou dos médicos- "tirei férias deles". Passeamos por San Isidro de braços dados, subimos escadas gigantescas (eu morrendo de medo e ela "vamos, vamos") e foi uma puta experiência. Sair do meu rítmo e passar a caminhar na batida de alguém de oitenta e poucos anos me ensinou algumas coisas.
Nice.
Vocês me ensinam coisas.
"O fim da vida é muito triste", isso faz muito sentido partindo de um velhinho. não consigo parar de pensar.
San Isidro, falta do que não foi...
Cervejinhas, yep!
Estou lendo Proust. É maravilhoso.
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