Sonntag, Februar 18, 2007

ainda sobre Ian McEwan

Eu nunca li Proust.
No entanto, ontem, depois de assistir "Pequena Miss Sunshine", finalmente entendi o que eu quis dizer no post do dia 29 de janeiro: os piores momentos de nossas vidas nos tornam quem somos. Quando o tempo passa rápido, estamos sendo felizes e inúteis para nós mesmos; mas, eu sei, é preciso ter cuidado com esse tipo de interpretação leviana. Não diria que todas as aulas chatas em que os minutos não passavam me tornaram quem eu sou mas, me tornaram, ao menos, mais paciente; no entanto, não foram os "piores" momentos da minha vida, então, não é um bom exemplo. Também não diria que o tempo que utilizei para desbravar lugares novos, quando as horas passam voando e parecem sempre insuficientes (e que talvez seja dos tempos o tempo mais bem gasto e feliz) não colaborou para construir quem eu sou. Mas, em geral, ainda acho que as pessoas são construídas pelos traumas, e que os traumas construídos em um minuto transformam esse um minuto em dez e assim por diante. E acho extremamente louvável colocar isso em forma de literatura, como fez Ian McEwan em "A criança no tempo". Considero um bom exemplo a alucinação do personagem principal:
um homem aos 40 e poucos anos vivencia o momento em que os pais estão discutindo sobre o seu nascimento (ou aborto) numa lanchonete; isso é narrado em uma passagem que enfatiza, inclusive, o homem em pleno transe reproduzindo com exatidão as bicicletas ("A MARCA da bicicleta GRAVADA EM LETRAS DOURADAS") que os pais utilizavam de fato no momento real (ou primeiro) do acontecimento; a ilusão do tempo real desvendada pela insanidade.
Aqueles três minutos de transe representam o início de uma vida inteira, e as bicicletas talvez sejam uma metáfora da velocidade e da MEMÓRIA (aquela que grava as marcas com letras douradas). Qual o motivo da obsessão do homem por qualquer tipo de velocidade exceder a sua obsessão por qualquer tipo de início?
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Ainda sobre tempo e memória, outro filme recente com crianças e idosos: "O ano em que meus pais saíram de férias"; mas, ao contrário de "Pequena Miss Sunshine", que concentra ao redor da criança uma série de diferenciadas problemáticas universais como morte, tédio e fracasso, o filme brasileiro limita-se a focar as verdades/reações infantis construindo um clima que leva a um saudosismo da infância mesclado à informações rasas sobre a época da ditadura; ou seja, mais um da série "para gringo ver". Também tem o queridinho da classe média bem informada que "se mata de rir" graças à sua super-útil consciência social (será o novo humor requintado?): "Borat", sem muitas crianças e idosos porém com bastante mulheres recheadas de plástico e louros de bochecha vermelha que rendem alguns (poucos) momentos antropológicos interessantes (mais interessantes que engraçados, na minha opnião.); mais um da série "Michael Moore is God", porém sem a participação do último rebelde americano chacoalhando com a nação do alto de seus duzentos quilos e remédios para o colesterol. Ah, os britânicos são TÃO refinados.

1 Kommentar:

Anonym hat gesagt…

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