Sonntag, Januar 14, 2007

Savana

"I've been looking so long at these pictures of you that I almost believe that they're real. I've been living so long with my pictures of you that I almost believe that the pictures are all I can feel".(The Cure - Pictures of You)
Será que eles não percebem o quanto Savana sufoca, mas sufoca mesmo, a ponto de ficar mais de 8 horas sentada no mesmo lugar sem se mover, será que eles não sabem que Savana teve suas primeiras dores musculares, dores de tensão, aos 5 anos? Não, eles não percebem, só percebem a própria dor, o próprio sufoco, aliás, não sei se poderíamos chamar de sufoco, pois o sufoco é contido, uma repressão involuntária dos músculos ou uma obediência, uma submissão em prol do bem-estar alheio. O verdadeiro sufoco não grita nem geme, por respeito. Sim, o sufoco voluntário. Eles gemem. Desde que Savana nasceu e escutou pela primeira vez, eles gemem. Miseráveis incapazes de sufocar a própria dor, querem que doa nos outros também, não limitam seus gemidos nem perante as crianças, fazem questão de que elas saibam o quanto eles sofrem, por elas, é claro, pois a dor deles hoje é consequência dos sacríficios pelo leite e o conforto de ontem. Pobre Savana, lá sentada, sofrendo, enquanto eles limpam o chão de seu quarto e lavam suas calcinhas, sempre gemendo.
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Existe um filme de Ingmar Bergman chamado "Sonata de Outono", sobre uma mãe egoísta porém com uma carreira artística brilhante. Ela abandona a família por causa da carreira e depois de velha tem isso tudo e mais um pouco jogado na cara pela filha que, obviamente, joga todas as suas frustrações no afeto negado pela mãe durante os seus primeiros e essenciais anos de vida. Liv Ullman faz o papel da mulher infeliz que acredita que sua infância solitária é a culpada de todos os seus problemas adultos.
[Crianças. Crianças de domingo, já dizia o próprio Bergman.]
Crianças nascidas em um dia de domingo são aquelas que carregam a sensibilidade artística na alma, segundo uma tradição sueca. Vai ver a personagem da Liv Ullman não nasceu em um dia de domingo, e esse é o único motivo pelo qual ela não executa um Chopin tão divinamente quanto a mãe, uma renomada pianista. Almodóvar fez uma bela sátira deste filme em "De salto alto". Muito mais bem humorada, a versão espanhola traz uma personagem-filha que se vinga da falta de atenção da mãe casando com o padrasto. E depois o trai com um travesti.
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Então Savana ficou olhando as fotos tão coloridas e cheias de vida e grama e cafeterias diversas com paredes vermelhas, verdes, laranjas. Fotos com mesas de toalha xadrez cobertas por sucos de frutas; amarelo-laranja, roxo-uva, verde-limão. E por algumas oito horas sentada na frente do computador conseguiu esquecer parcialmente o quanto eles gemem. E ficou pensando no quanto vem procurando, de certa forma, pessoas que também gemem ao invés dessas tão coloridas que pulam e fazem caretas e não usam drogas. E então Savana percebeu que os dias azuis talvez fizessem mais sentido se ela fosse a piqueniques ou deitasse na grama, e que talvez os dias cinzas também fizessem mais sentido se ela lesse um livro no vento ou tomasse café em cafeteiras coloridas. E aí ela pensou que talvez esteja lendo muito Caio Fernando Abreu, e que afinal de contas isso é um computador e não a vida de alguém. E que afinal o que ela quer dizer com fazer sentido é fazer feliz, e ela sempre achou que felicidade era pra gente burra.
E continuou lá sentada no seu computador olhando fotos alheias, num daqueles dias azul turquesa com pequenos tufos de algodão no céu, um verdadeiro cotonete gigante desentupidor de todas as amarguras dos pequenos homens lá embaixo, em seus computadores, verdadeiros desertos doces. "Ainda prefiro que eles continuem gemendo", pensou, "do que matá-los com os meus sentidos todos, tão felizes, afinal".

5 Kommentare:

Anonym hat gesagt…

Savana emana
Uma ternura profana

Savana melancólica
Savana Savana

Anonym hat gesagt…

eu nasci num domingo

Anonym hat gesagt…

twi

em desconstrução hat gesagt…

"Fica quietinha minha filha, senão vais amassar a roupa; e tenta não falar como uma taquara rachada - ela não vai conseguir, sussurrou baixinho a mamãe. O mais importante, querida: não toque em nada, hoje vamos deixar a curiosidade aqui em casa, tá?"

Foi para a casa do cara milionário vestida de forma ridícula - um vestido de repolho, e um sorriso de fracasso e agonia; cresceu querendo rasgar a roupa e rugir como um animal (a plenos pulmões), correr nua pela floresta, sujar o corpo e a cara com folhas e barro, e inspecionar cada centímetro, cada greta desgraçada, e violar cada cabeça nem que fosse na paulada.

Somos todos monstros montados; e a revolta, é a colagem.

Guga Schultze hat gesagt…

Gabi,
não vou comentar. O que eu escreveria não transmite meu apreço.
Vou só te enviar esse link:

www.youtube.com/watch?v=-OhAut--bYU

Sheryl Crow cantando "Home". Espero que goste.