"Os homens são suaves, quando desejam alguma coisa dos mais fortes, e brutais, quando o solicitante é mais fraco do que eles. Eis aí, até agora, a chave para penetrar na essência da pessoa na sociedade.” (T. W. Adorno)
Pode parecer bizarra
esta citação de Adorno num texto sobre Korine, já que o filme está mais pra um Sex
Pistols zombando da nossa cara em estilo Lulu Santos – um filme-poema punk-pop, com todas suas
contradições. Apenas cito o filósofo alemão porque ele escreveu que o mundo só
é único no tempo (Zeitgeist), e que a classificação é a condição do conhecimento
(e não o próprio conhecimento) e o conhecimento, por sua vez, destrói a
classificação. Mas pra que dialética agora? Vamos lá, classificar Spring
Breakers, ou Harmonie Korine, o cool
vendido – bem fácil, não? Assim já classificaram nossos intelectuais
brasileiros (minto, só li um) mesmo sem ver o filme, só pelas cores (quentes
demais ou algo assim) do trailler. De fato, nenhum problema em julgar pelo
trailler. Não há como conhecer Spring Breakers e seus personagens, nem vendo o
filme: eles são conceitos. Ou talvez não sejam. Talvez eu só queira aplicar
algo que estou lendo no momento: como boa aluna da USP, Adorno, é claro. Mas
acredite na sua intuição, porque ela lhe dirá: Spring Breakers é sobre isso. Sobre
a Academia (garotas fugindo da facul) e sobre drogas (pra viver a vida loka no feriado), sobre dinheiro
(que as faz não voltar mais), sobre ilusões (essas sim são perigosas – e não as
garotas, como no subtítulo brasileiro). Ilusões perigosas porque fundadas em conceitos
de tudo que está errado: estrelas da Disney e gente afim de ser gângster, mas resvalando na falsidade (num mundo que
quer ser fofo demais e onde, portanto, isso não é possível).
Spring Breakers não tem a ver com “O Poderoso
Chefão”, tem a ver com "As Pequenas Margaridas" numa versão “O.C”, de cores rosas, laranjas e azuis como em “Drive”
– onde a ironia com a estética cool,
da qual o filme também é acusado, já constava e pouca gente entendeu. Korine tem uma paleta para “Spring Breakers”
que de fato não combina com “Gummo” nem com “Trash Humpers”, mais sujos e opacos.
Mas com seu último filme ele consegue chegar onde “Gummo” não conseguiu e nem
poderia, porque ali as meninas ainda eriçavam os seios com esparadrapos –
eriçar era mais importante que aparecer. Com “Spring Breakers”, Korine conseguiu
chegar na abdicação da história por uma mise
en scene dogmática e videoclipesca, que é a cara dos nossos anos. Sei lá como chama essa década de 2010 a 2020,
ninguém sabe, e “Spring Breakers” é sobre isso, sobre a época herdeira e
perdida entre a consciência indecisa e revoltada dos anos 1960 e 1970
(Fassbinder), a fascinação tosca dos 1980 e a melancolia suicida e paranoica dos 1990
(Brian de Palma).
Neste dois mil
bem treze (quando o filme chegou a nós brasileiros, via pirata), Korine se
liberta da narrativa, sem abandonar a história. Nossa história de se achar
especial e estar cansado de não ser – mas somos certinhos: não tem matar aula,
tem vida loka no feriado eterno. Estamos
diante do único filme sobre o Zeitgeist desde os anos 80, desde “Curtindo a
Vida Adoidado”. Curtir a vida adoidado não é mais matar aula, é matar de
verdade, é se dar muito mal pra ficar numa boa (?) – é sobre dúvida, desespero
e beleza (fuga). “Spring Breakers” é um grupo de Marissas de “O.C.” fazendo
tudo que todo mundo que manda beijinho no FB quer: se entregar pro biquíni
eterno. WTF fingir que a beleza não importa, WTF estudar. WTF = What the Fuck.
Que foda é essa? É Tati Bernardi dizendo na Folha que quem não se deu bem até
os 30 ou é filhinho de papai ou é um fracassado. A culpa é dos escravos, mas o
mundo é dos espertos: sempre foi. E dos biquínis. E de gente gata. O mundo, do
dinheiro, é claro. A total ausência de verdade (pelo excesso da presença da
grana e do que move os personagens até ela) é a tônica do filme. James Franco, talvez
melhor em “Freaks and Geeks”, é, no entanto, a vingança desse seu personagem no
seriado anterior. Seus dentes de ouro são a coisa mais linda, fodida e forte do
filme. Britney Spears tocada ao piano à beira-mar, e Franco ali sentado
cercado de meninas de capuz é de fato uma imagem que vale por mil palavras.